Justiça determina prestação de contas da APMI à Câmara
A Justiça atendeu a um pedido de Mandado de Segurança ingressado pela Câmara Municipal para fiscalizar as contas daquela entidade, sobre os recursos repassados através de subvenção pela Prefeitura. A entidade recebe anualmente cerca de R$ 10 milhões de recursos municipais (quase a totalidade de todos os seus gastos) e funciona como uma instituição privada, ficando, portanto, desobrigada de prestar contas ao poder Legislativo, segundo entendia o seu antigo presidente, que se negava a fornecer qualquer tipo de informações.
Como os repasses devem ser autorizados pela Câmara, alguns vereadores entendem que é direito e obrigação do Legislativo fiscalizar a aplicação dos recursos. “Uma das principais funções do cargo de vereador é o de fiscalizar a aplicação dos recursos públicos e esta entidade funciona exclusivamente com dinheiro do Município e sua administração está unicamente ligada ao poder executivo, não necessitando dar nenhuma informação à população sobre quem são as pessoas que trabalham na entidade, quem são os responsáveis pelas contratações, em que horário trabalham, quanto ganham esses trabalhadores, enfim, de que forma são gastos os recursos, entre outras questões”, diz o presidente da Câmara, Elizeu Vidotti.
Outra preocupação do presidente Elizeu Vidotti é com o número de ações trabalhistas que pode se avolumar contra a entidade que não possui nenhum capital e, portanto, não tem garantias para saldar despesas deste tipo que podem se originar no futuro. “Nossa responsabilidade é com a preservação da entidade, porque respeitamos muito todos os profissionais de carreira pela dedicação que lá exercem suas atividades e também pelos relevantes serviços que são prestados à comunidade. Também nos preocupamos com o nível de profissionalização do pessoal contratado sem concurso público, já que a maioria das atividades ali exercidas é de caráter comunitário”, diz Elizeu.Conheça a Liminar da Justiça
Leia na íntegra a Liminar expedida pela Justiça de Cambé que dá prazo de 5 dias, após a intimação, para Prefeito prestar contas das despesas da Associação de Proteção à Maternidade e Infância de Cambé - APMI.
PROJUDI - Processo: 0005109-49.2013.8.16.0056 - Ref. mov. 12.1 - Assinado digitalmente por Ricardo Luiz Gorla,
04/07/2013: CONCEDIDA A MEDIDA LIMINAR. Arq: Decisão Inicial
Autos nº 0005109-49.2013.8.16.0056:
I- Trata-se de , com pedido de concessão de medida liminar, I Mandado de Segurança impetrado pela Câmara Municipal de Cambé, representado neste ato por seu Presidente Vereador Elizeu Vidotti, contra ato cometido pelo Prefeito do Município de Cambé – João Dalmácio Pavinato, objetivando que seja enviada à Casa Legislativa todos os documentos relacionados com os convênios celebrados com a Associação de Proteção à Maternidade e à Infância de Cambé – APMI durante os últimos dois anos (2011/2012), em virtude da tramitação em caráter de urgência do Projeto de Lei nº 86/2012, de autoria do Poder Executivo, que solicita autorização legislativa para subvenção social no valor de R$ 10.036.609,00 (dez milhões e trinta e seis mil reais). Requereu o deferimento de liminar e, ao final, a concessão da segurança. Juntou documentos.
É, em síntese, o relatório. Decido.
II– A questão, neste momento processual, se reduz à presença ou não dos requisitos para a concessão da liminar inaudita altera parte.
Para a concessão de liminar em sede de mandado de segurança bastam a demonstração do direito líquido e certo, através de fundamento relevante, e o periculum in mora, nos termos do inc. III do art. 7° da Lei12.016/2009.
No caso dos autos, através de análise perfunctória dos fatos, vislumbra-se que houve recusa pelo Presidente da APMI em prestar as informações solicitadas sobre seus convênios e funcionários, conforme documento de evento 1.4.
Em virtude de tal negativa, houve, em 07.12.2012, a solicitação das informações ao Prefeito do Município, as quais, alega o impetrante, até o momento não foram fornecidas.
É certo que o Poder Legislativo possui como sua função típica e, portanto, principal, exercer o controle político do Poder Executivo, bem como fiscalizar o orçamento de todos os órgãos e entidades que possuam relação contratual com a administração e, consequentemente, com as verbas públicas.
Tal função tem como intuito apurar por meio de fiscalização direta as contas e patrimônio Público e das entidades da administração direta e indireta, com observância ao disposto pelo art. 70 da CF, à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas.
A propósito do tema em questão, dispõe a Constituição Federal em seu artigo 31 sobre a fiscalização que o Poder Legislativo Municipal pode realizar sobre o Município:
"Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante
controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma
da lei.
§ 1º - O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de
Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios,
onde houver.
§ 2º - O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve
anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.
§ 3º - As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de
qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade,
nos termos da lei.
§ 4º - É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais."
Ainda a título de fundamentação, a Lei Orgânica do Município de Cambé também prevê a função fiscalizatória do legislativo, vejamos:
Art. 28. Compete privativamente à Câmara Municipal exercer as seguintes atribuições, dentre
outras:
(...) XIII - fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração
indireta;
(...)
Art. 46. A fiscalização contábil, financeira e orçamentária, operacional e patrimonial do
Município e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pela Câmara Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno de cada Poder.
Ora, com a postura de negativa do fornecimento das informações solicitadas, resta inviabilizado o dever constitucional conferido à Câmara Municipal que é a de fiscalização do Poder Executivo Municipal.
Neste ínterim, o Poder Legislativo, exercendo o posto fiscalizador das contas públicas, possui legitimidade e Associação de Proteção à Maternidade e à interesse em receber informações sobre a Infância de Cambé – APMI, que recebe subvenção do Poder Executivo municipal, o que torna possível o deferimento da medida, haja vista que presente o requisito do fumus boni iuris, consistente no direito líquido e certo do Poder Legislativo, através de fundamento relevante, de fiscalizar as contas municipais.
Insta inferir que o periculum in mora encontra-se presente no fato de que a fiscalização das contas públicas deve ser realizada com regularidade, desde que por órgão competente. Sendo que eventuais irregularidades nas receitas e despesas da administração pública atingem diretamente a população pagadora dos impostos, que de uma forma geral sustentam as despesas do Executivo.
Assim, o perigo na demora se perfaz no risco que irregularidades aleatórias possam gerar prejuízos de forma reflexa à população.
Portanto, presentes os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, deve ser concedida a liminar, no que concerne aos documentos relacionados com os convênios celebrados com a Associação de Proteção à Maternidade e à Infância de Cambé – APMI durante os últimos dois anos (2011/2012), a exemplo dos seguintes precedentes jurisprudências:
"APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA.
PREFEITO MUNICIPAL. REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS DE PROCESSOS DE
LICITAÇÃO PELA CÂMARA MUNICIPAL. NEGATIVA EM FORNECÊ-LOS. EXERCÍCIO
DE FUNÇÃO FISCALIZADORA PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA LEI
ORGÂNICA DO MUNICÍPIO. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA
CONCEDIDA. Como é da jurisprudência, "A Constituição Federal (arts. 29, XI e 31) assegura à
Câmara Municipal o controle político-administrativo dos atos e negócios do Executivo Municipal, o que lhe dá direito líquido e certo de receber deste informações e documentos, de
seu interesse institucional, ou de interesse da coletividade, que não podem ser sonegados" (Ap. Cív. e Ree. Nec. nº 38.203-0, 2ª Câm. Cív. - TJPR).
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA -
SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÕES PELA CÂMARA MUNICIPAL - RECUSA DO
PREFEITO EM FORNECER OS DOCUMENTOS - ATO ILEGAL E ABUSIVO QUE
VIOLOU O DISPOSTO NOS ARTIGOS 31 E 5º, INCISO XXXIII, AMBOS DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL - IMPETRANTE AGIU NO DESEMPENHO DE SUA FUNÇÃO
FISCALIZADORA DO EXECUTIVO MUNICIPAL - INTELIGÊNCIA DA SENTENÇA QUE
CONCEDEU A SEGURANÇA PARA O FIM DE COMPELIR O PREFEITO A ATENDER A
REQUISIÇÃO DA CÂMARA E FORNECER OS DOCUMENTOS SOLICITADOS -
APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA - SENTENÇA MANTIDA EM SEDE DE
REEXAME NECESSÁRIO. (TJPR - 4ª C.Cível - ACR - 973527-7 - Cambará - Rel.: Guido
Döbeli - Unânime - - J. 14.05.2013)
No mesmo sentido operam-se os valiosos doutrinadores nacionais, para tanto, trago à colação o entendimento de JOSÉ NILO DE CASTRO. Segundo ele, [...] Através dessa função fundamental tão importante a que o Texto Constitucional por mais de uma vez se referiu (v.g., arts. 29, IX, e 31, CF), com previsão de exercitamento na LOM, além do que estabelece o Texto Constitucional (art. 31), quanto ao controle da execução contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e operacional do Município, efetiva-se através de vários mecanismos, com os pedidos de informação ao Prefeito, a convocação de seus auxiliares à Câmara ou às suas Comissões, a investigação por Comissão Parlamentar de Inquérito, a tomada de contas do Prefeito ou da Mesa da Câmara, quando não prestadas no prazo e forma legais (Direito Municipal Positivo. 5ª ed., rev., ampl. e atual. Belo Horizonte, Del Rey, 2001, p. 159).
No mesmo sentido, o festejado HELY LOPES MEIRELLES também é bastante esclarecedor ao concluir que [...] essa função fiscalizadora da Câmara pode ser exercida individualmente por seus membros, por comissão permanente designada para esse fim (nos moldes da comissão mista prevista nos arts. 166, § 1º, e 72 da CF) ou por comissões especiais de investigação, que levarão à consideração do plenário o que souberem ou o que apurarem sobre a atuação político-administrativa do prefeito [...] (Direito Municipal Brasileiro, 11ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2000, pp. 510/511).
III– Ante o exposto, o pedido liminar, para o efeito de determinar que o impetrado III DEFIRO apresente na íntegra, no prazo de 05 (cinco), a contar da intimação da presente decisão os seguintes documentos:
a) relação de todos os funcionários por ela contratados e pagos com recursos transferidos por esta municipalidade, devendo relacionar data de admissão e demissão, sendo o caso, valores salariais recebidos, funções exercidas e locais de trabalho;
b) Cópia de todos os gastos e despesas pagas e subvencionadas pelo Convênio celebrado;
c) os documentos elencados no art. 116 da Lei 8.666/93, de caráter obrigatório, a saber:
c.1) Plano de trabalho proposto pela entidade convenente que deve conter as seguintes informações (I - identificação do objeto a ser executado; II - metas a serem atingidas; III - etapas ou fases de execução; IV - plano de aplicação dos recursos financeiros; V - cronograma de desembolso; VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas);
c.2) Cópia do Termos de Convênio celebrados;
c.3) Atas de fiscalização, autorizações de pagamento, entre outros.
- IV - Notifique-se a autoridade apontada coatora, bem como a pessoa jurídica que essa integra (Município de Cambé), do conteúdo da petição inicial, assim como da decisão concessiva da medida liminar para, prazo de10 (dez) dias, prestarem as informações que entenderem necessárias (artigo 7º, inciso I, da Lei nº 12.016/2009).
V- Decorrido o prazo supra, com ou sem resposta, abra-se vista dos autos ao representante do Ministério Público para pronunciamento.
VI- Ciência ao Ministério Público.
VII- Intimem-se. Diligências necessárias.
Cambé, em 03 de julho de 2013.
Ricardo Luiz Gorla
Juiz de direito